Por milhares de
anos os judeus fizeram a seguinte oração: “Daí graças ao Senhor, pois
ele é bom, porque o seu amor dura para sempre”. Eis uma oração excelente
para a nossa reflexão, porque são exatamente as duas coisas de que mais
duvidamos hoje. O Senhor é bom? O seu amor dura para sempre? Basta
uma breve observação da historia ou um exame das manchetes de qualquer
dia, e uma pessoa racional começa a duvidar dessas afirmações tão
ousadas. Essas também são razões por que o Antigo testamento merece a
nossa atenção, pois os judeus evidentemente duvidavam da oração própria
que faziam. Porém, como é comum nos relacionamentos íntimos, levavam
essas dúvidas à outra parte, ao próprio Deus, e recebiam resposta
direta.
Aprendemos no
Antigo testamento como Deus age muito diferente do que poderíamos
imaginar. Ele se move lentamente, de forma imprevisível e paradoxal. Os
primeiros onze capítulos de Gênesis apresentam uma série de falhas
humanas que questionam todo o projeto da criação de Deus. Como solução
para essas falhas, Deus manifesta seu plano em Gênesis 12: lidar com o
problema da humanidade estabelecendo uma família especial, uma tribo
conhecida como os hebreus (mais tarde chamados judeus). Por intermédio
deles, o útero da Encarnação, Deus trará restauração para toda a terra,
voltando para o projeto inicial.
Uma vez
apresentado o plano, Deus continua a agir de forma muito misteriosa.
Para fundar sua tribo, escolhe um pagão de região que hoje é o Iraque e o
faz passar por uma série de testes, em muitos dos quais, Abraão não se
sai bem. No Egito, por exemplo, ele demonstra uma moral inferior à dos
adoradores do sol.
Depois de
prometer uma descendência numerosa como as estrelas do céu e a areia do
mar, o que Deus faz é dar prosseguimento a uma “clínica de
infertilidade”. Abraão e Sara esperam até os noventa anos para ver o
primeiro filho; a nora deles, Rebeca, permanece estéril por muito tempo;
o filho dela, Jacó, tem de esperar catorze anos pela esposa dos seus
sonhos, para descobrir então que ela também é estéril. Três gerações de
mulheres estéreis não parece ser uma maneira muito eficiente de
constituir uma grande nação.
Depois de fazer
promessas semelhantes de uma terra especial (Abraão possuía somente um
túmulo em Canaã), Deus faz os israelitas passarem por um desvio no
Egito, onde eles apodrecem por quatro séculos até Moisés chegar para
conduzi-los à terra prometida, peregrinação deplorável que leva quarenta
anos em vez de duas semanas esperadas. Evidentemente Deus trabalha com
um calendário diferente do usado por seres humanos impacientes.
As surpresas
continuam na era do Novo Testamento, pois nenhum dos orgulhosos mestres
judeus reconhece Jesus de Nazaré como o Messias anunciado de forma
triunfal nos Salmos e nos Profetas. Aliás,
isso continua acontecendo hoje quando profetas auto-proclamados
identificam com o anticristo, de forma convicta, uma sucessão de tiranos
e de pessoas de expressão mundial, para depois verem Hitler, Stalim,
Kissinger, Hussein simplesmente desaparecer de cena.
Os cristãos que
vivem na atualidade deparam com muitas promessas não-cumpridas. A
pobreza e a população mundial continuam crescendo assustadoramente, e o
cristianismo com muita dificuldade procura manter sua percentagem entre a
população. O planeta tende à autodestruição. Esperamos e continuamos
esperando os dias gloriosos prometidos pelos profetas e pelo Apocalipse.
Com Abraão, José, Moisés e Davi aprendemos o fato de que Deus age por
meios que não poderíamos prever, nem mesmo desejar. Às vezes a história
de Deus parece operar num plano totalmente diferente do nosso.
O antigo
testamento dá um vislumbre do tipo de história que Deus está escrevendo.
O Êxodo identifica pelo nome as duas parteiras hebréias que ajudaram a
salvar a vida de Moisés, mas não se importa em registrar o nome do Faraó
que estava regendo o Egito na época (omissão que tem deixado os
estudiosos perplexos desde aquela época). O primeiro livro dos Reis
dedica um total de oito versículos ao rei Onri, ainda que os estudiosos
seculares o considerem um dos reis mais poderosos de Israel. Na sua
maneira de fazer história, Deus não se impressiona com tamanho, poder ou
riqueza, Fé é o que ele está esperando, e os heróis que vemos surgir
são heróis da fé, não de poder ou riqueza.
Portanto, a
história de Deus concentra-se nos fiéis a ele, não importa o resultado
dos fatos. Quando Nabucodonosor, um dos muitos tiranos que perseguiram
os judeus, ameaça três jovens de serem torturados pelo fogo, eles
responderam:
“Se formos
lançados na fornalha de fogo ardente, o nosso Deus, a quem nós servimos,
pode livrar-nos dela, e ele nos livrará da tua mão, ó rei. Se não, fica
sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a
imagem de ouro que levantaste”.
Impérios
erguem-se e caem, líderes poderosos são catapultados ao poder e depois
despencam de lá. O mesmo Nabucodonosor que lançou esses três jovens na
fornalha acaba insano, pastando no campo como uma vaca. Os impérios que
se seguem ao dele – Pérsia, Grécia e Roma – tão poderosos em seus dias,
são postos na lata do lixo da história. Enquanto isso o povo de Deus
sobrevive até aos piores ditadores. Aos poucos, com esmero, Deus escreve
sua história na terra por meio dos atos de seus fiéis seguidores, um
por um.
Com sua
história de tortura, os judeus demonstram a lição mais surpreendente de
todas: não se erra quando Deus é levado a sério como pessoa. Deus não é
um poder indistinto que vive em algum lugar do céu, não é uma abstração
como os gregos propuseram, não é um super-homem sensual com o que os
romanos adoravam e com certeza não é o relojoeiro ausente dos deístas.
Deus é pessoal. Ele entra na vida das pessoas, vira famílias de cabeça
pra baixo, aparece em lugares inesperados, escolhe líderes com poucas
probabilidades de sucesso, chama as pessoas a prestar contas. Acima de
tudo, Deus ama.
Como o grande teólogo judeu Abraham Heschel escreveu em The prophets [Os profetas]:
“Deus não se
revela ao profeta por meio de um absoluto abstrato, mas por meio de uma
relação pessoal e intima com o mundo. Ele não está simplesmente exigindo
obediência e contando que será obedecido; também é tocado e
influenciado pelo que acontece no mundo, reagindo a isso. Os fatos e os
atos dos seres humanos despertam nEle alegria ou tristeza, prazer ou ira
[...] Os atos dos seres humanos movem-no, abalam-no, causam-lhe
tristeza ou, senão, dão-lhe satisfação e prazer.
[...] o Deus de
Israel é um Deus que ama, um Deus que se dá a conhecer ao ser humano e
se preocupa com ele. “Não somente rege o mundo na majestade do seu poder
e sabedoria, mas reage intimamente diante dos fatos da historia”.
Mais do que
qualquer outra imagem, Deus escolhe “crianças” e “amantes” para
classificar nosso relacionamento com ele de algo íntimo e pessoal. O
antigo testamento está repleto de exemplos da figura noivo-noiva. Deus
corteja seu povo e está apaixonado por ele como um amante por sua amada.
Quando seu povo não lhe dá importância se sente machucado e desprezado
como um amante traído. Mudando as metáforas de geração em geração, o
antigo testamento também informa que somos os filhos de Deus. Em outras
palavras, o mais próximo que podemos chegar da compreensão de como Deus
nos vê é pensar nas pessoas mais importantes para nós: nossos próprios
filhos, e a pessoa que amamos.
Pense no pai
“coruja” com a filmadora na mão, estimulando a filha (Sophia) de um ano e
pouco a soltar a mão do sofá e dar três passos em direção a ele: “Vamos
lá, filha. Você vai conseguir! É só soltar a mão do sofá. Papai está
aqui. Venha, vamos”. Pense numa adolescente perdidamente apaixonada com a
orelha presa ao telefone durante horas para contar todos os detalhes de
seu dia a um rapaz que, de tão apaixonado que também está, até se
interessa por tudo isso. Pense nessas duas cenas e depois imagine Deus
numa ponta e você na outra. Essa é a mensagem do Antigo testamento.
Ps: Nada em
Deus é mais surpreendente do que a escolha que fez de suas companhias,
alvos de sua intimidade escolhidos a dedo. Abraão mentiu pela esposa,
Jacó enganou o irmão, Moisés cometeu assassinato, Davi, matou e
adulterou – mesmo assim todos foram parar na lista dos preferidos de
Deus. Jacó conseguiu o seu nome novo “Israel” (aquele que luta com Deus)
depois de uma luta com Deus que durou a noite toda. Desde esse dia o
nome do povo de Deus lembra aquela luta. Os integrantes do povo de Deus
são literalmente filhos do conflito. Deus acerta os ponteiros com
murmuradores ruidosos como Jó, Jeremias e Jonas. Ele enfrenta Abraão e
Moisés em discussões longas – e às vezes os deixa ganhar! Ele é assim,
leva os seres humanos a sério, dialoga com eles, os inclui em seus
planos e ouve o que têm a dizer